Atenção: texto longo, reflexivo e nostálgico.
1. A importância da leitura na infância
No primeiro texto deste blog, eu disse: “Leitura é informação. Logo, esperamos aprender algo novo quando nos deparamos com um texto, seja qual for a área”. Gostaria de fazer uma reflexão a respeito disso, mas contando sobre a minha experiência com leitura.
Desde pequena, fui criando a minha biblioteca pessoal, que teve desde Turma da Mônica, Harry Potter e As Crônicas de Nárnia, romances policiais a clássicos da Literatura Brasileira (a partir do ensino médio) e que, agora, são uma “mistureba” disso tudo com livros da área de Letras.
Sempre que tinha visita em casa, olhavam para a estante da sala e diziam para os meus pais: “Nossa, quantos livros! Sua filha deve ser muito inteligente, né? Meu filho não quer ler nada... Faz vergonha”. Na época, lá pelos meus nove anos, eu me sentia especial: “Nossa, eu sei ler! Muita gente não consegue, mas eu consigo! As pessoas admiram isso!”. Hoje em dia, isso me entristece. Por quê?
Meus pais perceberam que eu sempre fui interessada e curiosa em entender as coisas (isso até hoje! A Internet é uma dádiva e uma maldição para mim, risos). Foi meu pai quem me ensinou a ler, antes de eu começar a pré-escola, pois sabia da importância. E então eu comecei a pré-escola. Meu pai sempre ia me buscar e, quando podia, me dava um gibi diferente. Eu ficava superfeliz porque amava e a coleçãozinha ia aumentando.
Depois dos gibis, meus pais começaram a investir na revista Recreio. Toda semana tinha uma edição diferente com seções sobre ciência, programas de TV, curiosidades, receitas, quadrinhos... Aquilo para uma criança curiosa era a melhor coisa do mundo! Vale mencionar que havia diversas coleções, que iam desde brinquedos a fascículos com curiosidades (ou os dois juntos). Lembro que meus pais começaram a comprar essa revista para mim por conta da coleção dos Letronix, que eram letras que se transformavam em robôs. Toda semana você comprava a revista e vinha uma embalagem à parte, com um robozinho e um fascículo com regras de ortografia. Mal sabiam meus pais que, a partir de então, eles já estavam me transformando na “doida das Letras”, risos.
Ao longo da minha vida, tive ótimos professores. Lembro com carinho da professora Marina, da terceira série. Ela sempre nos motivava a ler e aprender. Uma vez, cheguei para ela e mostrei um desses livros de regras gramaticais. Ela achou fantástico e decidiu criar um “desafio de ditado”. Durante um mês, uma vez por semana, durante meia-hora, ela pedia para todo mundo separar uma folha e prestar atenção às palavras que ela ditava. Esse desafio dela virou uma competição que teve até uma final. Adivinha quem ganhou? Eu!
Lembro que, no último dia, todo mundo falava: “A Dani tá colando! Esse livrinho é dela. Lógico que ela vai ganhar!”. Esse livro em particular veio no fim da coleção; tinha, numa lista em ordem alfabética, as palavras com sua grafia correta (hífen, acentuação, ditongo, tritongo etc.). Não tinha como eu ter decorado esse livrinho (7.000 palavras?!) em, sei lá, semanas antes de mostrá-lo para a professora e ela ter a ideia de criar o desafio.
Enfim, ganhei o bendito desafio. Ganhei um livro como prêmio. “Ah, lógico que a Dani ia ganhar!”. Com esses comentários, me senti mais mal do que feliz. Meus pais ficaram orgulhosos. “Nossa, o nosso investimento nessas revistinhas tá dando certo mesmo, né?”
Aí vocês me perguntam: “Por que diabos você, com nove anos de idade, ficou triste por ter ganhado o desafio de ditado?”. Todo mundo achou que eu tinha colado. Eu não colei. Eu realmente sabia como escrever aquelas palavras (e minha professora sabia disso). Eu li todos os fascículos da coleção "Como se escreve?" da Recreio? Não, mas eu lia a Recreio toda semana, religiosamente. Hoje em dia, penso nessa história e fico chateada, mas não porque achavam que eu colei, e sim porque nem todo mundo ali na minha sala tinha pais que tivessem a oportunidade de investir nesse tipo de material.
Eu sempre comento com os meus pais que me orgulho disso. Se não fosse por essa motivação por instigar a minha curiosidade, em que eu aprendesse "brincando", eu não teria tanta bagagem gramatical e conhecimento geral hoje em dia.
2. A tal da leitura “difícil”
No início do tópico anterior, eu disse: “...desde Turma da Mônica, Harry Potter e As Crônicas de Nárnia, romances policiais a clássicos da Literatura Brasileira (a partir do ensino médio)”. Perceberam o que vem entre parênteses?
No terceiro ano do ensino médio, eu comecei a ler os livros para a FUVEST 2012: na época, a lista ainda era: Auto da barca do inferno (Gil Vicente), Memórias de um sargento de milícias (Manuel Antônio de Almeida), Iracema (José de Alencar), Dom Casmurro (Machado de Assis), O cortiço (Aluísio Azevedo), A cidade e as serras (Eça de Queirós), Vidas secas (Graciliano Ramos), Capitães da areia (Jorge Amado) e Antologia poética (Vinícius de Moraes).
Comecei por O cortiço. Gente do céu. O que era Daniela lendo O cortiço com 17 anos? Eu tinha o costume de ler no ônibus, na ida e volta da escola, e durante o intervalo das aulas. Quando eu estava lendo e alguém vinha falar comigo, eu chegava a me assustar e a fechar o livro rapidamente, de vergonha. Já uma colega minha (que, por coincidência ou ironia do destino, estava na “final” do desafio de ditado comigo lá na terceira série) amou O cortiço e achou engraçadíssimo. Na época, eu não entendia por que O cortiço retratava aquela comunidade daquela maneira tão bagunçada, sem pudor, em que cada personagem se questionava sobre o que estava fazendo e chegava a um fim específico por conta de suas ações. Hoje em dia, acho genial, mas em 2012...
Os meus preferidos dessa lista foram (e ainda são) A cidade e as serras e Antologia poética. Eu só não li Dom Casmurro e Iracema porque fiz a burrada de deixar os “maiores” para o final, e estava chegando a data da temida FUVEST.
Machado de Assis — “Machadão” para os íntimos — é difícil de se ler, né? Com 17 anos, eu fugia de Machado. Juro para vocês. Sei da importância dele, como autor e tradutor, mas, para mim, com 17 anos, ainda era difícil “focar” naquele vocabulário “pesado”, cheio de mesóclises e ênclises e verbos que eu nunca tinha ouvido falar. Eu sabia ler, mas isso nem sempre é suficiente.
Quando você é jovem, ou sem tempo, quer ler algo mais “simples”, por distração e lazer, não frases rebuscadas. Já fazendo um adendo aqui, não estou dizendo que não se deve ler Machado de Assis ou esses autores já consagrados. Estou dizendo que, dependendo da fase da vida, temos preferência de leitura, assim como temos em outras áreas, como música, televisão etc. E tudo bem. O importante é percebemos que não tem problema não gostar de ler um determinado tipo de livro, mas que talvez aquele não seja o nosso momento de apreciá-lo. Temos que ler por vontade própria, não por obrigação, senão a nossa leitura não será prazerosa.
Essa “literatura rebuscada” não é necessariamente “ruim” ou “difícil”, coisa de gente cult, de quem tem tempo ou "cérebro" para ler. Apenas não estamos na fase de lê-los e tudo bem. Ainda há tempo de ampliarmos as nossas preferências de leitura e lermos de tudo um pouco, mas quando estivermos dispostos a isso; sem preconceitos, mas repletos de vontade, interesse e paciência.
A Literatura, independente do lugar de origem, é importante para conhecermos novas culturas, novos povos, novos costumes. Se pensarmos na nossa cultura, em Dom Casmurro, Machado descreve a história de Bentinho, que, muito resumidamente, conhece Capitu e se apaixona por ela, mas desconfia que o filho, que os dois tiveram posteriormente, talvez fosse do melhor amigo dele, Escobar. A história termina com todos separados e infelizes.
Sempre que alguém menciona Dom Casmurro, há a grande discussão do “Capitu traiu ou não traiu?”. A questão não é essa. Na minha opinião, Machado queria demonstrar o quanto a desconfiança por algo que pode ou não ter acontecido acabou com a relação de todos, com o amor de Bentinho por Capitu e pelo próprio filho — este último, na minha opinião, foi o personagem que mais sofreu. Traição é um tema muito comum em muitas sociedades, e Machado tentou exemplificar isso contando essa história, em como a desconfiança exacerbada acaba com nossas relações.
Essa reflexão de “a traição não é a questão principal” no livro só é possível se a pessoa tiver empatia pelos outros personagens. Por isso é importante termos paciência em ler, pois a Literatura nos faz refletir sobre nossa sociedade e sobre nossa própria vida.
Eu confesso que realmente só me atentei à importância da Literatura Brasileira na faculdade. Eu sabia que era importante ler os autores nacionais, mas só entendi o porquê quando eu tive matérias relacionadas, justamente para instigar a tal reflexão que mencionei acima. Também temos a questão da “identificação”.
3. A Literatura não deve ser excludente
Gosto literário é algo realmente muito complicado, pois também temos a questão do status. Às vezes, há comentários do tipo “esses livrinhos de adolescente aí são muito bobos” ou “não sei como alguém consegue ler isso”. As pessoas não entendem que existem milhares de livros para inúmeros tipos de pessoas. Não é porque você lê um determinado livro que você é mais inteligente ou melhor do que outra pessoa.
Novamente mencionando Machado, ele era neto de escravos, vinha de família pobre. Não pôde frequentar a escola, mas sempre teve grande interesse e esse interesse o tornou um dos escritores mais importantes da nossa Literatura. Imagina o tanto de Machados que perdemos justamente por essa coisa de “ai, mas esse livro não é pra mim” ou “ai, esse livro é coisa de gente cult”? Com esses comentários, “matamos” o interesse e, dessa maneira, não incentivamos a nós mesmos e àqueles que estão ao nosso redor a lerem e criarem suas próprias histórias, que tanto refletem a nossa cultura e vivência.
Quando pensamos nos adolescentes e jovens adultos, os que devoram muitos livros e sempre aparecem em peso nas bienais, podemos afirmar que gostam dessas histórias porque se identificam. Literatura é isso: identificação, reflexão. Não deve ser sobre status. Não é porque você leu Dom Casmurro de Machado de Assis que você não pode ler, por exemplo, Eleanor & Park de Rainbow Rowell, depois Macbeth de Shakespeare e Percy Jackson de Rick Riordan.
A Literatura está aí para ser lida. Ela é ampla justamente porque existem diferentes tipos de pessoas, com diferentes gostos — ambos mudam ao longo dos anos. Os livros são sempre baseados em algo ou alguém. Basta que tenhamos interesse e incentivemos outras pessoas a ler cada vez mais, pois nosso gosto muda. O que importa não é o livro ser “bom” ou “ruim”, “fácil” ou “difícil”, mas sim o nosso interesse, o que nos instiga a acompanhar aquela história.
Incentivemos as crianças a lerem quadrinhos, histórias feitas para a idade delas, para despertarmos a curiosidade. Na adolescência, terão vontade de continuar lendo. Incentivemos também os adultos a lerem, mesmo que não tenham tido hábito. Incentivemos a Literatura para todas as idades, para que as pessoas possam refletir, se identificar, rir, chorar, se assustar, se instigar. A Literatura está aí para ser lida, para ser apreciada, compartilhada e discutida, independente do lugar e da época em que a história foi escrita. E viva a Literatura!
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