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Foto do escritorDaniela Pereira

Saber uma língua estrangeira é suficiente para trabalhar com tradução?

Atualizado: 27 de set. de 2019



Dia 30 de setembro é considerado como o Dia do Tradutor. Este mês, teremos dois textos discutindo aspectos importantes sobre a profissão.


Muitos blogs de tradução já comentaram sobre a questão do conhecimento de uma língua combinado com a vontade de se tornar tradutor. Esse assunto também é recorrente em grupos de tradutores no Facebook. Isso ocorre porque as pessoas admiram quem trabalha com essa profissão (seja pelo retorno financeiro, após um período estável de trabalho, ou pelo "ar de inteligência" que acham que os tradutores têm) e acham que o processo é bem menos intenso do que realmente é. Assim, acham que dá para ser tradutor só por saber uma língua estrangeira como, por exemplo, o inglês. É aí que se enganam. Vamos "derrubar" alguns desses mitos e argumentos inocentes.


1. "Fiz intercâmbio. Posso ser tradutor?"


Não.


Intercâmbio é uma ótima maneira de se inserir na cultura do outro, fazer novos amigos e estudar uma língua estrangeira num país diferente. Entretanto, há pessoas que se arrepende(ra)m do dinheiro gasto nessa superviagem. Por quê? Fica(ra)m em contato com os colegas brasileiros, não com os estrangeiros, logo não treinaram a língua estrangeira.


Claro, isso não significa que não se aprende em um intercâmbio, mas o aproveitamento depende do foco da pessoa. Ela vai conseguir estudar se tiver foco e souber equilibrar o estudo e a viagem. A vantagem do intercâmbio é justamente você estar inserido na cultura daquele país estrangeiro e estudar bastante em menos tempo, além de poder praticar bastante com nativos durante sua estadia. Mas não necessariamente significa que vai sair do intercâmbio com um certificado de fluência.


Quando eu era bem mais nova, achava que para ter fluência/proficiência num idioma era necessário intercâmbio. Ledo engano. Estudei por anos e fiquei fluente sem pôr os pés para fora do Brasil. Tudo é uma questão de foco (e oportunidade financeira, é claro).


Quem tiver a oportunidade de fazer intercâmbio, faça. Quem não tem, estude aqui mesmo. Nada de se frustrar por não ter milhares de reais para viajar para fora como o seu coleguinha da rede social. Estude aqui, do seu jeito, no seu tempo, e então viaje com o dinheiro economizado. Vai poder aproveitar a viagem, pois já saberá a língua, e terá menos frustrações em relação a "dinheiro mal gasto".


2. "Estudei tal língua estrangeira por muitos anos. Posso ser tradutor?"


Não.


Não é porque você é fluente, tem uma ótima compreensão, assiste filmes sem legenda e entende as letras de música de seus artistas estrangeiros preferidos que você pode ser tradutor. Meu Deus, quantas vezes eu me senti frustrada na faculdade, principalmente nos primeiros semestres, quando as minhas traduções não estavam muito de acordo com a proposta. Ué, achei que ser fluente era necessário...


Saber bem a língua é imprescindível? Claro! Mas tem muito mais a se estudar. Não basta apenas saber a conjugação dos verbos, vírgulas, pontuação... Precisa saber um pouco de tudo: morfologia, sintaxe, semântica, estilística, pragmática... Quanto mais você souber utilizar a língua ao seu favor, melhor será o seu texto traduzido.


3. "Ah, prefiro a língua estrangeira x do que a língua portuguesa... é muito difícil. Nem quis estudar. Prefiro a língua x mesmo, pois é a que vou usar para trabalhar"


Colega... Não... Vamos lá.


Tente pensar em quantas pessoas falam, por exemplo, inglês em todo o mundo. É gente pra caramba, certo? Já a Língua Portuguesa é considerada uma das mais complexas do mundo, mas nós, brasileiros, a usamos, independente do nível de escolaridade, certo? É a língua principal no nosso país. Não tem como não a usarmos aqui.


Geralmente, na área de Tradução, caso você tenha clientes internacionais, é mais provável que você traduza de uma língua estrangeira para a sua própria língua, não o contrário. Isso porque já existem profissionais que fazem versão (é essa a nomenclatura para quando você traduz da sua língua materna para uma língua estrangeira). Geralmente, procura-se nativos para fazer a tradução de uma língua estrangeira para a própria língua materna, pois há menos chances de ter erros de tradução em um texto traduzido por um nativo do que em um traduzido por um estrangeiro (pelo menos, é esse o argumento geral).


Agora, vamos puxar outro assunto: não é só de língua estrangeira que vive o tradutor.


Acabei de dizer que é mais comum aparecerem trabalhos de tradução do que de versão, certo? Mas e se esse tradutor não tiver vocabulário e conhecimento necessários para traduzir aquele texto? Ele vai passar vergonha? Provavelmente.


Sempre vemos exemplos de traduções e versões malfeitas que viram piada pelas redes sociais. Falei um pouco sobre isso no texto anterior. Por que isso ainda acontece?


Pode ser que a pessoa não sinta a necessidade de contratar um tradutor profissional, por achar que "não é nada demais" ou que "um conhecido meu pode fazer". Aí saem as pérolas.



Na imagem acima, podemos ver que se trata de um cardápio de um restaurante: em negrito, o nome do prato em português e, abaixo, a "versão" para o inglês.


De novo: para evitar a gafe, o responsável pelo restaurante deveria conferir se essa versão está correta. O mais recomendado seria contratar um tradutor profissional, que entendesse sobre culinária e soubesse o nome dos pratos equivalentes em outra língua (nesse caso, o inglês), para verter o cardápio de forma adequada.


4. "Eu já traduzi umas coisinhas pra um colega. Quero ser tradutor e fazer uns bicos"


Posso soltar um "NÃAAAAAAAAAAO!!!!"? (Risos.)


Este quarto tópico vai ser mais discutido no próximo texto, em que falarei sobre a valorização da profissão de tradução. Basicamente, neste texto, digo: tradução não é bico.


Vou me utilizar como exemplo. Sou tradutora. Entendo bem inglês e português. Sei usar ambas as línguas ao meu favor. Entretanto, não sei cozinhar. Digamos que, um dia, um dos meus bolos saia perfeito. Vou dizer: "nossa, vou virar confeiteira para complementar a minha renda"? Não. Para trabalhar com culinária, é necessário saber utilizar a comida e os utensílios ao seu favor. É necessário saber o ponto de cozimento, quais ingredientes combinam ou não, a quantidade exata... É necessário conhecimento.


Consegui consertar um cabo que estava quebrado. Posso virar eletricista? Não! Tapei um buraco na parede de casa e depois pintei para disfarçar. Posso virar pedreira? Não. É a mesma coisa para todas as profissões: é necessário conhecimento, saber utilizar os instrumentos corretos e sempre estar disposto a aprender mais, para que seu serviço tenha a qualidade desejada por seus clientes.


Não sou cozinheira, eletricista e muito menos pedreira. Sou tradutora. Faço de tudo para garantir conhecimento cada vez mais e oferecer um serviço adequado. Infelizmente, vejo que a falta de informação de muitos profissionais já consolidados na área gera toda essa confusão. Por isso é necessário derrubar todos esses "mitos" em relação à Tradução. Vamos ao último.


5. "Sou da área de exatas. Tenho bastante conhecimento. Posso virar tradutor?"


Finalmente vou evitar dizer "não". Vou dizer: "depende".


Temos dois termos: "especialista-tradutor" e "tradutor-especialista". "Especialista tradutor" é aquele que estudou uma área, por exemplo, Biologia, e começa a traduzir, justamente por ter todo esse conhecimento. Já o "tradutor especialista" é aquele que estudou línguas e, para traduzir bem textos de Medicina, se especializa na área médica, por exemplo. Em ambos os casos, deve-se estudar muito tanto o par de línguas escolhido para a tradução como a área de especialização. É o combo.


"Então o que é necessário para se tornar tradutor?" Estude, pesquise, se interesse, aprenda a usar as ferramentas (CAT Tools). Cada vez que você acha que sabe os termos de uma área, aparecem vários outros (olá, bitcoins na área de Finanças!). Tradutor precisa ser um bicho curioso: não se contenta com o primeiro termo, pesquisa mais cinco, fica entre dois ou três e escolhe um, o mais adequado. Uma hora você estará lendo um artigo acadêmico sobre depressão; no outro, uma pesquisa eleitoral sobre os candidatos à presidência em outro país. No momento seguinte, você vai pesquisar a diferença entre "em vez de" e "ao invés de", pois "deu branco" na hora de traduzir. Depois, você vai precisar rever quais as preposições utilizadas com determinado verbo. São necessários tempo e paciência. Não é impossível, mas é desafiador. E uma coisa eu prometo: você vai aprender bastante (ou pelo menos um pouco sobre tudo)!


Ser tradutor é ser curioso, interessado, disposto e, principalmente, determinado. Se você se interessa pela profissão, pesquise, se informe e estude. Estude muito, estude sempre. Estude muito, mas muito mesmo! Seja humilde. Reconheça quando você não souber algo. Tire dúvidas com colegas de profissão — só porque eles têm a mesma profissão que você, não significa que sejam seus inimigos/adversários — e ajude-os com as dúvidas deles.


E o mais importante de tudo: traduza. Não adianta saber só a língua. É necessário praticar. Se você se interessa por Engenharia, leia artigos e trabalhos já publicados, assim como notícias de pessoas que já são da área, e traduza alguns trechos, mesmo que ninguém vá ler, mesmo que não seja um job. Isso também vai te ajudar a desenvolver conhecimento da área (e também linguístico) e você poderá criar seus glossários e atualizá-los cada vez que se deparar com um novo termo. Assim, você será um tradutor-especialista (ou um especialista-tradutor, dependendo qual for o seu ponto inicial) e seu texto traduzido estará o mais adequado possível para o seu cliente.


Então, finalizo e repito: estude muito, estude sempre. (Acho que deveria virar um mantra...)

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